terça-feira, 11 de setembro de 2012

Discurso e Sentido


Discurso e Sentido

 

Depois que o discurso passou a ocupar o centro das preocupações sobre a linguagem, notadamente, em função do descentramento do sujeito proporcionado pelo marxismo, pela psicanálise e pela linguística, é fato que para aquela foram trazidas instâncias outras, categorias, que estavam excluídas, ou pelo menos, “esquecidas”  dentro dos estudos lingüísticos.

É no momento em que os estudos sobre a linguagem lançam-se para fora do seu “núcleo rígido” (MAINGUENAU, 1993: 11), constituído pelas tradições saussuriana e chomskiana et caterva, é que as próprias fronteiras daquilo do que delimitava o linguístico do não-linguístico vão ser borradas, ao resgatar-se para linguagem o que ficara “esquecido” naqueles estudos: o lado social, a poética e a perspectiva do Outro. Quais reflexões se podem fazer a partir dessa mudança epistemológica?

Em primeiro lugar, a linguagem não existe em função do homem, mas apesar do homem. No que tange à perspectiva filosófica-ontológica, é o homem é quem passa a “existir” a partir da linguagem, fato que possibilita a emergência da Filosofia da Linguagem no cenário dos próprios estudos filosóficos. Nos “jogos de linguagem” de Wittgeinstein, o homem também pode ser considerado uma “peça do jogo” ao qual se subordina e do qual compartilha.   

A linguagem, ao ver-se ameaçada pela derrocada do logos, mais uma vez toma fôlego ao anunciar-se como “forma de vida”. E o discurso, como não poderia de ser, é a própria forma de vida, de ser da linguagem, na medida em que nele se especifica a qualidade informativa — peculiaridade do século XX — carregada de intencionalidade.

Sendo o comportamento da linguagem um comportamento semiótico, informativo, o discurso torna-se a especificação do sentido da linguagem naquilo que por ela se re-vela: revela-se na forma de ser da sua materialidade e nela também se vela pelo seu “esquecimento” (PECHEUX, 1993).

A especificação do sentido já é uma direção a outrem (a determinação). O que faz do sujeito um sujeito de linguagem é essa relação que o direciona para outrem e por ela instaura o dialogismo. (BAKHTIN,1992).  Falar, mesmo que para si, é assumir ou considerar a dimensão de um outro que se instaura nesse mesmo “falar”.

O discurso é assim a possibilidade de um “eu dual”, sem o qual a alteridade nem se quer chegaria a existir. Como coloca Lacan: “Quem é, pois, esse outro a quem estou ligado mais que a mim, visto que na aceitação mais íntima de minha identidade comigo mesmo, é ele quem me agita.“ (LACAN apud ECO, 1991: 327).  Ignorar esse “outro” (sentido) é “loucura”, pois, desta forma, só existiríamos como monólogos de força especulares que em nós só se fariam refletir.

A linguagem, então como discurso, é ainda a possibilidade de tradução do outro naquilo que digo, mas também o é, para esse outro, naquilo que ele diz por mim, e em função de mim, mas que, em verdade, é para ele o Outro, esquecido sentido do seu próprio discurso: memória e alteridade constitutiva da fundação dos sujeitos.