Discurso e Sentido
Depois que o discurso passou a ocupar
o centro das preocupações sobre a linguagem, notadamente, em função do
descentramento do sujeito proporcionado pelo marxismo, pela psicanálise e pela
linguística, é fato que para aquela foram trazidas instâncias outras,
categorias, que estavam excluídas, ou pelo menos, “esquecidas” dentro dos estudos lingüísticos.
É
no momento em que os estudos sobre a linguagem lançam-se para fora do seu
“núcleo rígido” (MAINGUENAU, 1993: 11), constituído pelas tradições saussuriana
e chomskiana et caterva, é que as próprias fronteiras daquilo do que
delimitava o linguístico do não-linguístico vão ser borradas, ao resgatar-se
para linguagem o que ficara “esquecido” naqueles estudos: o lado social, a
poética e a perspectiva do Outro. Quais reflexões se podem fazer a partir dessa
mudança epistemológica?
Em
primeiro lugar, a linguagem não existe em função do homem, mas apesar do homem.
No que tange à perspectiva filosófica-ontológica, é o homem é quem passa a
“existir” a partir da linguagem, fato que possibilita a emergência da Filosofia
da Linguagem no cenário dos próprios estudos filosóficos. Nos “jogos de
linguagem” de Wittgeinstein, o homem também pode ser considerado uma “peça do
jogo” ao qual se subordina e do qual compartilha.
A
linguagem, ao ver-se ameaçada pela derrocada do logos, mais uma vez toma
fôlego ao anunciar-se como “forma de vida”. E o discurso, como não poderia de
ser, é a própria forma de vida, de ser da linguagem, na medida em que nele se
especifica a qualidade informativa — peculiaridade do século XX — carregada de
intencionalidade.
Sendo
o comportamento da linguagem um comportamento semiótico, informativo, o
discurso torna-se a especificação do sentido da linguagem naquilo que por ela
se re-vela: revela-se na forma de ser da sua materialidade e nela também se
vela pelo seu “esquecimento” (PECHEUX, 1993).
A
especificação do sentido já é uma direção a outrem (a determinação). O que faz
do sujeito um sujeito de linguagem é essa relação que o direciona para outrem e
por ela instaura o dialogismo. (BAKHTIN,1992).
Falar, mesmo que para si, é assumir ou considerar a dimensão de um outro
que se instaura nesse mesmo “falar”.
O
discurso é assim a possibilidade de um “eu dual”, sem o qual a alteridade nem
se quer chegaria a existir. Como coloca Lacan: “Quem é, pois, esse outro a quem
estou ligado mais que a mim, visto que na aceitação mais íntima de minha
identidade comigo mesmo, é ele quem me agita.“ (LACAN apud ECO, 1991: 327). Ignorar esse
“outro” (sentido) é “loucura”, pois, desta forma, só existiríamos como
monólogos de força especulares que em nós só se fariam refletir.
A
linguagem, então como discurso, é ainda a possibilidade de tradução do outro
naquilo que digo, mas também o é, para esse outro, naquilo que ele diz por mim,
e em função de mim, mas que, em verdade, é para ele o Outro, esquecido sentido
do seu próprio discurso: memória e alteridade constitutiva da fundação dos
sujeitos.